Pensamento em Ziguezague

Junqueira, Ivan de Almeida – textos e fotos

O Mito da Liberdade – 1

with 11 comments

Ivan de Almeida
11 de dezembro de 2005

Se lhe disser que liberdade depende de disciplina, o que você me diria? Mais ainda, que depende de uma dose brutal de disciplina? Bem, então lhe digo isso mesmo, pois me parece verdade.

A questão, no caso, é não poder existir liberdade sem potência. Não há liberdade impotente, a impotência é em si um limite. Por outro lado, a capacidade de fazer algo, a potência, não provém do acaso ou do impulso indisciplinado. Para certo tipo de coisa é preciso capacidade, capacidade de persistência, capacidades econômicas, capacidade de conhecimento e prática, etc, e essas capacidades são adquiridas e mantidas por disciplina.

Isso parece bastante paradoxal. Para ser livre, isto é, no sentido prático, para ter capacidade escolher, é preciso em alto grau sacrificar liberdades anteriores para adquirir capacidade de escolher de fato (a potência), e depois da escolha novamente é necessário sacrificar liberdades indiferenciadas para manter essa escolha.

Provavelmente uma parte significativa da angústia do indivíduo nas sociedades atuais provém de ser permanentemente convidado a exercer uma liberdade que já foi já consumida por opções anteriores, ou sequer criada anteriormente sob a forma de potência, mas que é insinuada como a ele pertencente. A palavra liberdade, no âmbito da propaganda, é revestida de um grau de potência ilimitado, como se isso fosse possível, omitida sua natureza de escolha, de renúncia necessária das outras possibilidades. Então o indivíduo permanece tonto e prisioneiro das opções contraditórias, isso gerando uma espécie de sofrimento individual de natureza social, um sofrimento induzido e capaz de mantê-lo como um insaciável consumidor de opções e incapaz, no mais das vezes, de desenvolver uma só, aprofundar uma só, ou seja, de escolher realmente como quer viver. Naturalmente, tais opções são produtos, a liberdade é oferecida sob a forma de produtos e como um consumo ainda quando esse consumo é de amor, de sexo, etc, pois nesses casos necessariamente mediado pelo consumo de produtos ou de um conjunto de produtos ou serviços favorecedores.

A compreensão da natureza paradoxal da liberdade provavelmente é a única forma de tê-la de fato, isso significando assumir não ter uma potência de ação ilimitada, mas sim ter clareza das escolhas feitas, escolhas iniciais e escolhas de manutenção (pois se manter em uma determinada situação é também uma escolha). É preciso, pois, uma disciplina de liberdade, ou se cai prisioneiro de um canto de sereia, cheio de promessas mas cuja resultante é manter o indivíduo imobilizado, escravo dos desejos a ele impartidos que o transformam em títere, não em homem livre.

Written by Ivan de Almeida

janeiro 7, 2012 às 11:27 am

Publicado em Ciência e Teoria

11 Respostas

Subscribe to comments with RSS.

  1. Mas … o que é liberdade?

    luizdemog

    janeiro 8, 2012 at 5:02 pm

    • Grosso modo, seria a faculdade de determinar de que maneira se quer viver, faculdade essa que se especifica na faculdade de escolher entre alternativas práticas.

      Obrigado, Luiz. Grande abraço

      Ivan de Almeida

      janeiro 8, 2012 at 6:17 pm

  2. Certo. Sua resposta esta coerente com seu texto principal.
    Assim a liberdade de que vc fala tem compromisso com o dar certo, com o sucesso, resultados praticos positivos.
    Fico pensando na liberdade do desejo do novo, incerto, ainda não testado, não aprovado, aquela liberdade para a qual ainda não existe habilidades adquiridas, utopica. Se esta liberdade não existe então a liberdade é sim um mito.
    Pensar na liberdade como algo sem limites é mais romantico.
    Quem sabe aquela maxima de 70% em renda fixa(segurança) e 30% em variavel(utopia, aventura, emoção).
    abç

    luizdemog

    janeiro 8, 2012 at 7:04 pm

    • Não, Luiz, não tem a ver com dar certo. Dar certo é uma coisa que não se pode prever completamente nas decisões.

      Não consigo pensar nessa história de risco. Risco, para mim, é uma decisão mal ruminada. Uma decisão bem ruminada não é risco, pode até ser estranha, mas não é risco. A idéia de risco é, para mim, exatamente um tipo de liberdade-ilusão, porque coloca nas mãos do acaso e do imponderável aquilo que seria da esfera da decisão.

      Obviamente, só cabe falar em liberdade em relação às coisas cuja escolha seja possível. Não existe espaço para liberdade em escolhas impossíveis nem em coisas aleatórias.

      Ivan de Almeida

      janeiro 8, 2012 at 7:14 pm

  3. Para mim a questão aqui é a liberdade.
    Vc afirma que ela é um mito e seu texto é coerente com essa afirmação.
    Como eu entendo liberdade como algo mais abrangente, algo que te possibilite ao menos na area do pensar, ir alem de fronteiras, vou seguir comentando, ok?. Toda fronteira é uma serceadora de liberdade.
    Digo de “dar certo” porque vc define liberdade como “escolher entre alternnativas praticas”. Ora o que são praticas senão aquilo ja feito, praticado, postanto testado.
    Entendi de seu texto que vc fala de uma liberdade adulta, realizavel. Vou exemplificar: um grupo que ganha uma eleição ou conquista o poder atraves de uma revolução, tem a liberdade para exercer o poder. Liberdade essa dependente duma escolha entre as alternativas que um poder maior impõe.
    Uma outra liberdade é aquela que o individuo tem, numa balada, de escolher seu par naquela noite, sem nenhuma certeza. Claro que quem investe numa conquista se sente respaldado no seu “poder”(potencia) ou exclusivamente no desejo.

    luizdemog

    janeiro 8, 2012 at 8:30 pm

    • Não afirmo que é um mito, mas sim que entendida como é ela é um mito.

      Ivan de Almeida

      janeiro 8, 2012 at 8:39 pm

  4. Sim é verdade vc coloca “o mito da liberdade” e não que ela “é um mito”.

    luizdemog

    janeiro 8, 2012 at 9:11 pm

    • Exato, Luiz. Ela não é nada, na verdade é tão somente um conceito. Mas o que é exatamente esse conceito? ora, há várias maneiras de rechear esse conceito, algumas dessas maneiras são míticas, e o mundo midiático e o mundo social hoje pensam e propagam esse conceito mítico e um tanto vago. Para mim ela refere-se a escolhas possíveis, mesmo que essas escolhas possíveis não resultem no que se imaginou por interferência de outros fatores -porém que pudessem de fato resultar, isto é, que as escolhas estejam voltadas para uma franja de possibilidades previsíveis com base na experiência.

      Ivan de Almeida

      janeiro 8, 2012 at 11:59 pm

  5. Neste ponto percebe-se claramente que liberdade é algo que só existe, curiosamente, quando não tem.
    Só se sente a liberdade quando ela falta, e isso apenas ocorre pontualmente. Nessa hora a midia entra criando na sociedade, a necessidade dessa liberdade. Como se essa “conquista” resolveria nossos problemas.
    Realizada(concedida) tal conquista, ja ha pronta uma nova demanda em seu lugar.
    Assim não nos sobra tempo para pensarmos numa liberdade outra.
    abç

    luizdemog

    janeiro 9, 2012 at 12:15 pm

  6. Neste ponto percebe-se que liberdade é algo que só existe quando falta. E isso somente ocorre pontualmente, localizadamente.
    Nesta hora a midia esta ao lado dos carentes incentivando/organizando/impulsionando a luta pela sua conquista.
    Assim que conquistada(concedida) tal liberdade, a midia ja tem pronta uma nova demanda. Isso vai se sucedendo, mantendo a sociedade sufocada sem tempo para pensar uma liberdade outra.
    abç

    luizdemog

    janeiro 9, 2012 at 12:24 pm

  7. Epa!
    Desculpem-me.
    Quando cliquei enviar resposta, caiu o acesso aqui. E quando voltou, minutos depois, eu não vi meu comentario e fiz um novo.

    luizdemog

    janeiro 9, 2012 at 5:38 pm


Deixe um comentário